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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Cera quente!



CENA 1 – LOFT DA NEURA - QUARTO / INT / DIA
NEURA ESTÁ SENTADA NA CAMA COM O TELEFONE NA MÃO, INDECISA.
NEURA
Ligo ou não ligo?
Vou ou não vou?
Dá ou desce?
Ó duvida cruel!
Peraí, eu não tô falando de nenhum bofe, não!
Eu tô falando de depilação!
Encaro ou não encaro a maldita cera quente?
NEURA RESPIRA FUNDO E LIGA.
NEURA
Alô? É do salão?
Bom dia, eu quero marcar um horário pra fazer depilação com a Denise. Isso.
Tem vaga pro ano que vem? Não, brincadeirinha....
Semana que vem???? Mas já???
Tá, pode ser. Anda, marca logo antes que eu desista.
Obrigada. Tchau! Vaca!
NEURA DESLIGA O TELEFONE E SE JOGA NA CAMA.
NEURA
Caraca, será que eu vou conseguir me preparar psicologicamente até a semana que vem? Ou vou acabar me rendendo à Gillete Woman?
NEURA SE LEVANTA ABRUPTAMENTE, PRA SE EXPLICAR.
NEURA
Você não tá entendendo o porquê de tanto medo?
Já sei: nunca depilou com cera quente?
Nunca depilou?
É homem?
Ok, eu explico.
Cera quente é uma técnica medieval desenvolvida pra nos torturar enquanto retira todos os nossos pentelhos de uma só vez!
Funciona mais ou menos assim:
Você chega no salão depois de pensar em desistir umas quinze vezes e a desgraçada da depiladora (ou torturadora, carinhosamente falando) te recebe com um sorrisinho sarcástico, tipo “tá fudida, heim querida!”. Depois ela te leva pra uma cabine minúscula, impossível de se escapar porque depois que você e a depiladora entram ali, não tem espaço nem pra peidar!
Enquanto você trabalha o seu constrangimento de tirar a roupa pra uma pessoa que não é necessariamente o seu tipo e que nem te levou pra jantar antes ou te disse coisas gostosas ao pé do ouvido, a desgraçada te entrega uma calcinha descartável e totalmente psicológica. Sim, porque naquela calcinha minúscula não entraria nem metade da Giselle Bundchen! É só pra terminar de destruir o que nos resta de auto estima e nos fazer sentir gordas!
Nesse momento, você tem que afastar os pensamentos destrutivos e as imagens de assassinato da cabeça. Você é refém e pronto. Não tem volta.
By the way, colocar ou não aquela calcinha psicológica não muda nada, ok? Você vai ter que se arreganhar como um frango assado de qualquer maneira. E o pior, ela não vai te ligar no dia seguinte. Não se iluda!
Depois de te convencer a relaxar - se é que isso é possível nessas circunstâncias - ela pergunta “cavada com contorno anal?”
Pô, aí eu já sinto a minha privacidade totalmente devastada!
Mas fazer o quê? Já que eu vim até aqui.... O que é um peido pra quem tá cagado?
Me encho de coragem – Deus sabe o quanto esse momento é difícil - e digo entre dentes, um tímido “sim, por favor!”
É o que me resta de elegância a partir daí.
CENA 2 – LOFT DA NEURA - BANHEIRO / INT / DIA
NEURA VAI ATÉ O BANHEIRO, PEGA A SUA ‘GILLETE WOMAN’ E ENCARA-A.
NEURA
Primeiro, a cretina vem e joga um talquinho cheiroso, só pra te enganar e dá uma batidinha de leve com a mão na sua virilha. Iludida, você relaxa.
É o tempo dela sacar aquela pazinha de madeira e encher da maldita cera quente.
Quente, não. Pelando!

Acredita que ela continua sorrindo? Sádica!
Quando a cera encosta na sua pele fina e delicada, o primeiro grito de horror escapole e inacreditavelmente ela devolve um olhar amoroso e pergunta “tá muito quente?” 
“Não sua vaca, eu gritei de alegria!”
E não satisfeita com seu estado de choque, ela arranca a cera e seus pêlos na velocidade da luz! Parece que a sua pele está saindo junto!
Quase dou um soco na cara da cretina, que à essa altura já não tem coragem de me encarar, mas preciso conter as lágrimas que estão começando a escorrer pelas bochechas vermelhas de raiva.
A partir daí, o melhor a fazer é tentar se entregar sem lutar, porque não há nada que você possa fazer e vai gastar energia à toa.  É melhor rezar com fé pra acabar rápido. 
Graças a Deus, depois do primeiro choque, o sofrimento parece ficar mais suportável e a gente consegue chegar ao final ainda respirando sem ajuda dos aparelhos. 
Normalmente eu saio de lá jurando nunca mais voltar.
Mas o resultado realmente é incrível... pele lisa e macia.
Então desisto de matar a cretina dessa vez. Mês que vem eu resolvo.
Melhor assim.

Por Flávia Erthal