CENA 1 – LOFT DA NEURA -
QUARTO / INT / DIA
NEURA
ESTÁ SENTADA NA CAMA COM O TELEFONE NA MÃO, INDECISA.
NEURA
Ligo
ou não ligo?
Vou
ou não vou?
Dá
ou desce?
Ó
duvida cruel!
Peraí,
eu não tô falando de nenhum bofe, não!
Eu
tô falando de depilação!
Encaro
ou não encaro a maldita cera quente?
NEURA
RESPIRA FUNDO E LIGA.
NEURA
Alô?
É do salão?
Bom
dia, eu quero marcar um horário pra fazer depilação com a Denise. Isso.
Tem
vaga pro ano que vem? Não, brincadeirinha....
Semana
que vem???? Mas já???
Tá,
pode ser. Anda, marca logo antes que eu desista.
Obrigada.
Tchau! Vaca!
NEURA
DESLIGA O TELEFONE E SE JOGA NA CAMA.
NEURA
Caraca,
será que eu vou conseguir me preparar psicologicamente até a semana que vem? Ou
vou acabar me rendendo à Gillete Woman?
NEURA
SE LEVANTA ABRUPTAMENTE, PRA SE EXPLICAR.
NEURA
Você
não tá entendendo o porquê de tanto medo?
Já
sei: nunca depilou com cera quente?
Nunca
depilou?
É
homem?
Ok,
eu explico.
Cera
quente é uma técnica medieval desenvolvida pra nos torturar enquanto retira
todos os nossos pentelhos de uma só vez!
Funciona
mais ou menos assim:
Você
chega no salão depois de pensar em desistir umas quinze vezes e a desgraçada da
depiladora (ou torturadora, carinhosamente falando) te recebe com um sorrisinho
sarcástico, tipo “tá fudida, heim querida!”. Depois ela te leva pra uma cabine
minúscula, impossível de se escapar porque depois que você e a depiladora entram
ali, não tem espaço nem pra peidar!
Enquanto
você trabalha o seu constrangimento de tirar a roupa pra uma pessoa que não é
necessariamente o seu tipo e que nem te levou pra jantar antes ou te disse
coisas gostosas ao pé do ouvido, a desgraçada te entrega uma calcinha
descartável e totalmente psicológica. Sim, porque naquela calcinha minúscula não
entraria nem metade da Giselle Bundchen! É só pra terminar de
destruir o que nos resta de auto estima e nos fazer sentir gordas!
Nesse
momento, você tem que afastar os pensamentos destrutivos e as imagens de
assassinato da cabeça. Você é refém e pronto. Não tem volta.
By
the way, colocar ou não aquela calcinha psicológica não muda nada, ok? Você vai
ter que se arreganhar como um frango assado de qualquer maneira. E o pior, ela
não vai te ligar no dia seguinte. Não se iluda!
Depois
de te convencer a relaxar - se é que isso é possível nessas circunstâncias - ela
pergunta “cavada com contorno anal?”
Pô,
aí eu já sinto a minha privacidade totalmente devastada!
Mas
fazer o quê? Já que eu vim até aqui.... O
que é um peido pra quem tá cagado?
Me
encho de coragem – Deus sabe o quanto esse momento é difícil - e digo entre
dentes, um tímido “sim, por favor!”
É
o que me resta de elegância a partir daí.
CENA 2 – LOFT DA NEURA -
BANHEIRO / INT / DIA
NEURA
VAI ATÉ O BANHEIRO, PEGA A SUA ‘GILLETE WOMAN’
E ENCARA-A.
NEURA
Primeiro,
a cretina vem e joga um talquinho cheiroso, só pra te enganar e dá uma
batidinha de leve com a mão na sua virilha. Iludida, você relaxa.
É
o tempo dela sacar aquela pazinha de madeira e encher da maldita cera quente.
Quente,
não. Pelando!
Acredita
que ela continua sorrindo? Sádica!
Quando
a cera encosta na sua pele fina e delicada, o primeiro grito de horror escapole
e inacreditavelmente ela devolve um olhar amoroso e pergunta “tá muito quente?”
“Não sua vaca, eu gritei de alegria!”
E
não satisfeita com seu estado de choque, ela arranca a cera e seus pêlos na
velocidade da luz! Parece que a sua pele está saindo junto!
Quase
dou um soco na cara da cretina, que à essa altura já não tem coragem de me encarar,
mas preciso conter as lágrimas que estão começando a escorrer pelas bochechas vermelhas de raiva.
A
partir daí, o melhor a fazer é tentar se entregar sem lutar, porque não há nada
que você possa fazer e vai gastar energia à toa. É melhor rezar com fé pra acabar rápido.
Graças
a Deus, depois do primeiro choque, o sofrimento parece ficar mais suportável e
a gente consegue chegar ao final ainda respirando sem ajuda dos aparelhos.
Normalmente
eu saio de lá jurando nunca mais voltar.
Mas
o resultado realmente é incrível... pele lisa e macia.
Então
desisto de matar a cretina dessa vez. Mês que vem eu resolvo.
Melhor assim.
Por
Flávia Erthal